segunda-feira, setembro 13, 2010

Aspectos do trabalho infantil no Brasil

Aspectos do trabalho infantil no Brasil
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André Portela Souza*

Resumo: O presente artigo apresenta alguns resultados recentes de pesquisas do autor sobre o trabalho infantil no Brasil. Primeiramente, argumenta-se que o trabalho infantil está associado à pobreza, e que isto em parte implica numa armadilha do trabalho infantil. Também se discute a possibilidade de que o trabalho infantil esteja associado a normas e convenções sociais em que algumas famílias ou regiões valoram a natureza em si do trabalho infantil. Ademais, apresentam-se os efeitos do trabalho infantil nos rendimentos dos indivíduos quando adultos. O trabalho infantil reduz o salário esperado do trabalhador adulto, principalmente para aqueles que começam a trabalhar muito cedo na vida. Por fim, demonstra-se que a redução do trabalho infantil nos anos 90 está associada à expansão escolar no período. Pode ser que o conjunto de medidas de políticas públicas da última década tenha tido algum efeito sobre as atividades das crianças e adolescentes, principalmente aqueles que vivem em famílias mais pobres.

Palavras-chave: Trabalho Infantil, Pobreza, Freqüência Escolar, Brasil.

Introdução
O trabalho infantil tem recebido, ultimamente, bastante atenção por parte da mídia e tem sido alvo de grande discussão entre formuladores de políticas publicas, organizações não-governamentais e organismos internacionais, bem como o público em geral. Naturalmente, o trabalho infantil é um fenômeno social que suscita indignação, pois trata-se daqueles seres humanos mais vulneráveis e que deveriam receber a maior atenção e cuidado da sociedade: as crianças. Contudo, quem deseja resolver este problema a contento deve investigar suas causas, conseqüências e formas de intervenção de maneira sistemática e minuciosa. Afinal, não só se quer evitar que o tiro saia pela culatra, como também atingir o alvo certeiramente. Felizmente, já existe uma crescente literatura sobre o trabalho infantil, seus determinantes e conseqüências, de modo que já é possível inferir algumas conclusões acerca deste fenômeno.

O trabalho infantil é ainda freqüente em países menos desenvolvidos e, até bem pouco tempo atrás, o mesmo ocorria em países mais desenvolvidos. Para alguns, o trabalho infantil é visto como uma forma de engajar a criança ou adolescente em algum exercício que lhe pode ser útil na idade adulta, porque aprendem algum ofício ou passam a desenvolver habilidades socialmente valoradas. Para outros, ele é simplesmente fruto de descaso ou egoísmo de pais e mães que se aproveitam dos seus benefícios sem considerar os possíveis males que possam causar às crianças. Embora estes argumentos possam ser válidos para situações pontuais e contextos específicos, na realidade, como fenômeno de massa, o trabalho infantil está fortemente associado à pobreza. O trabalho infantil pode ser um expediente utilizado por muitas famílias para enfrentar situações de privação econômica. Seja participando do mercado de trabalho ou exercendo atividades de produção doméstica, a criança assume um papel importante nos mecanismos de sobrevivência de sua família.1

Se, por um lado, o trabalho infantil ajuda as famílias a sobreviver sob difíceis condições econômicas, por outro ele pode acarretar conseqüências perversas sobre a criança. O trabalho infantil pode prejudicar o desenvolvimento das potencialidades da criança, seja afetando sua saúde física e psicológica ou tomando dela tempo e recursos que poderiam ser melhor dedicados à acumulação do seu capital humano. Sob este aspecto, o trabalho infantil pode ser ineficiente (Baland e Robinson, 2000).

O presente artigo pretende apresentar alguns resultados de nossas pesquisas recentes sobre o trabalho infantil no Brasil. A seção 2 discute os possíveis determinantes do trabalho infantil. A seção 3 apresenta algumas conseqüências do trabalho infantil no indivíduo quando adulto. A seção 4 discute a evolução do trabalho infantil e da freqüência escolar nos anos 90. A seção 5 apresenta as considerações finais.

2. A persistência intergeneracional do trabalho infantil no Brasil
O trabalho infantil tanto pode expor a criança a situações de risco como prejudicar a sua formação educacional. Hoje, sabe-se que existem cerca de 370 mil crianças entre 5 e 9 anos de idade e 2,5 milhões de crianças entre 10 e 14 anos de idade que participam regularmente do mercado de trabalho brasileiro, perfazendo 2,5% e 15% dos seus totais, respectivamente2. Segundo dados da Organização Internacional do Trabalho, o percentual de crianças entre 10 e 14 anos de idade que participavam no mercado de trabalho em 1950 era bem maior, da ordem de 23%. Embora esteja a taxas menores hoje em dia, o trabalho infantil no Brasil não se reduziu na mesma velocidade que no resto do mundo. Na Itália, por exemplo, o trabalho infantil nesta faixa etária estava em cerca de 30% em 1950, e hoje é praticamente nulo. Mesmo em países mais pobres, como a China e a Índia, a participação de crianças desta mesma faixa etária no mercado de trabalho era de 48% e 35% em 1950 e agora está em torno de 12% e 14%, respectivamente. O que explicaria este declínio mais lento no Brasil? Embora ainda não tenhamos respostas conclusivas para esta questão, já possuímos evidências sugestivas que ajudam a respondê-la.

De acordo com nossas pesquisas recentes (Emerson e Portela Souza, 2003), existe no Brasil uma forte persistência intergeneracional do trabalho infantil: há uma relação entre o fato dos pais terem ingressado no mercado de trabalho quando crianças e seus filhos ou filhas serem trabalhadores infantis. Mais precisamente, crianças vindas de famílias em que os pais foram trabalhadores infantis têm uma probabilidade de serem também trabalhadoras infantis 3 vezes maior que crianças que vêm de famílias em que os pais não trabalharam ma infância.

Parte desta persistência se deve a uma armadilha da pobreza, ou o que chamamos de "armadilha do trabalho infantil". Em geral, crianças de famílias pobres têm uma maior probabilidade de serem trabalhadoras infantis do que crianças de famílias não-pobres. Mesmo que estas atividades não afetem a integridade física e psíquica da criança, elas tomam tempo e energia que poderiam ser mais eficientemente utilizados para a sua formação educacional e qualificação. Quando adulta, esta pessoa não terá acumulado capital humano suficiente para obter os recursos necessários para tirar a si mesma e a seus descendentes da pobreza. Assim, seus filhos também se tornarão trabalhadores infantis e o ciclo vicioso se perpetua. Com efeito, existe uma correlação positiva entre anos de escolaridade e idade em que o indivíduo ingressa no mercado de trabalho. Ademais, quanto menor a escolaridade de uma pessoa, maior a probabilidade de que seus filhos sejam trabalhadores infantis.

Surpreendentemente, nossos resultados também sugerem que o argumento da armadilha do trabalho infantil não esgota toda a questão. De fato, parte desta persistência intergeneracional não é transmitida via nível de renda familiar. Quando comparamos duas crianças que vivem em famílias com o mesmo nível de renda – uma delas em que os pais trabalharam quando crianças e a outra não –, a criança da primeira família tem uma maior probabilidade de ser trabalhadora infantil, comparada à criança da segunda família. Ou seja, existe uma relação direta entre o fato dos pais terem sido trabalhadores infantis e a criança trabalhar no mercado de trabalho, independentemente do nível de renda familiar. O que explicaria isto? Ainda em estágio de conjecturas, esta relação direta poderia ser explicada, entre outras coisas, por normas sociais ou preferências dos pais em fazer com que seus filhos e filhas iniciem logo cedo as suas atividades no mercado de trabalho. Necessitamos, aqui, de mais investigações para aprofundar esta questão.

3. As conseqüências do trabalho infantil
O senso comum diz que o trabalho infantil é prejudicial à própria criança ou adolescente. De imediato, a criança pode estar exposta a situações de risco a sua saúde física e psicológica. A mais longo prazo, o trabalho infantil pode prejudicar sua formação educacional e, portanto, ter conseqüências negativas na acumulação do seu capital humano. Além disso, o trabalhador infantil pode se engajar em ocupações que dificultem a sua ascensão ocupacional no futuro.

Por outro lado, existem também razões para se crer que o trabalho infantil, em alguma medida, pode ter benefícios para a própria criança ou adolescente. Treino vocacional, aprendizado em alguma atividade, experiência geral no mercado de trabalho, tudo isto pode contribuir para o sucesso da criança e principalmente do adolescente quando trabalhador adulto.
Já existem alguns estudos que tentam quantificar alguns destes efeitos. Particularmente, nosso estudo para o Brasil (Emerson e Portela Souza, 2002) mostra que existe uma correlação negativa entre trabalho infantil e escolaridade, bem como uma correlação negativa entre o trabalho infantil e renda do trabalho quando adulto.
Utilizando os micro-dados da PNAD-IBGE 1996, a tabela abaixo mostra a relação entre a idade em que o indivíduo começou a trabalhar e a sua escolaridade e renda.

Tabela 1: Indivíduos homens ocupados entre 25 e 55 anos de idade – Brasil (%)

Idade em que começou a trabalhar


%
Anos de Escolaridade
0 Anos
1 a 4
5 a 8
9 a 11
12 ou Mais
Abaixo de 10
18,7
23
42
23
09
03
10 a 13
36,4
19
37
26
13
05
14 a 17
30,1
07
25
32
25
12
18 e Acima
14,8
04
13
23
30
30

Fonte: PNAD, 1996.

Assim, do total de homens ocupados no mercado de trabalho brasileiro com idade entre 25 e 55 anos em 1996, 18,7% declararam haver começado a trabalhar antes dos 10 anos de idade. Destes, 23% são analfabetos e apenas 3% têm algum ano de estudo universitário. Por outro lado, 14,8% deste universo de ocupados começaram a trabalhar com 18 anos ou mais. Destes, apenas 4% são analfabetos e 30% têm algum ano de estudo universitário.

Além disso, existe uma correlação negativa entre a idade em que o indivíduo começou a trabalhar e sua renda quando trabalhador adulto. A tabela abaixo mostra a proporção entre a média dos rendimentos de trabalho dos homens ocupados com 25 a 55 anos que começaram a trabalhar antes dos 18 anos e a média dos salários daqueles que começaram a trabalhar a partir dos 18 anos.

Tabela 2: Diferença salarial dos indivíduos homens ocupados entre 25 e 55 anos de idade – Brasil (%)

Idade que começou a trabalhar
Proporção Salarial(sem controle de educação)
Proporção Salarial(com controle de educação)
Abaixo de 10 Anos
68
95
10 a 13 Anos
68
94
14 a 17 Anos
82
100

Fonte: PNAD 1982, 1988, 1996.

A segunda coluna da tabela apresenta o seguinte resultado: o salário dos homens ocupados adultos que começaram a trabalhar antes dos 10 anos de idade é 68% do salário dos homens ocupados adultos que começaram a trabalhar a partir dos 18 anos de idade, sem controlar por anos de escolaridade. Isto pode ser interpretado da seguinte maneira: um indivíduo que começa a trabalhar antes dos 10 anos de idade e abandona a escola a partir de então tem seu salário, quando adulto, igual a 68% da renda do indivíduo que freqüentou a escola até os 18 anos e começou a trabalhar a partir desta idade. Analogamente, esta proporção é de 68% e 82% para aqueles que começaram a trabalhar entre 10 e 13 anos e entre 14 e 17 anos, respectivamente.

A terceira coluna apresenta o mesmo resultado, mas agora controlado por escolaridade obtida. Assim, comparando-se dois indivíduos com mesmo nível de escolaridade, mas que começaram a trabalhar com idades distintas, aquele que entrou no mercado de trabalho com até 10 anos de idade tem um salário, quando adulto, igual a 95% do valor do salário de quem começou a trabalhar depois dos 18 anos. Note que esta diferença se anula quando se compara o indivíduo que começou a trabalhar a partir dos 14 anos. Estes resultados sugerem que trabalhar e ir à escola é pior que somente ir a escola para crianças jovens, mas não necessariamente para adolescentes.

4. O trabalho infantil e a freqüência escolar no Brasil dos anos 90
A partir do início dos anos 90, o Brasil experimentou uma aceleração do declínio da incidência do trabalho infantil concomitantemente com um aumento da taxa de freqüência escolar. A tabela 3 apresenta a incidência do trabalho infantil e a taxa de freqüência escolar para meninas e meninos com idades entre 10 e 17 anos, separadamente, para 1992 e 2001. Em 1992, 36,33% (18,53%) dos meninos (meninas) estavam no mercado de trabalho brasileiro. Em 2001, estas incidências reduziram-se para 23,53% e 12,45 %, respectivamente. Ou seja, houve uma queda de cerca de um terço na incidência do trabalho infantil tanto para meninos quanto para meninas. Por sua vez, 76,14% (79,84%) dos meninos (meninas) freqüentavam a escola em 1992, enquanto 90,58% (90,53%) dos meninos (meninas) freqüentavam a escola em 2001.

Tabela 3: Incidência do trabalho infantil e freqüência à escola no Brasil

Meninas de 10 a 17 anos
Meninos de 10 a 17 anos
1992
2001
Diferença
1992
2001
Diferença
Trabalho infantil
0.185
0.125
-0.061
0.363
0.235
-0.128
Freqüência à escola
0.798
0.902
0.104
0.761
0.906
0.144

Fonte: PNAD–IBGE.

Que grupos de crianças e adolescentes foram os mais beneficiados por estes movimentos? Eles ocorreram com crianças e adolescentes independentemente de suas condições econômicas? Sabe-se que o trabalho infantil está associado à pobreza, que, por sua vez, está relacionada às características econômico-demográficas das famílias, como nível educacional dos chefes de família, região de moradia, tamanho da família, idade da criança, etc. Talvez as mudanças das distribuições destas características nos anos 90 expliquem o declínio do trabalho infantil e/ou o aumento da freqüência à escola. Por outro lado, diferentes mudanças institucionais ocorridas no período também podem explicar estes movimentos independentemente das mudanças das distribuições de características. Entre as mais importantes estão a expansão de programas sociais de combate ao trabalho infantil e de acesso à escola e a mudança da legislação trabalhista que regula a idade mínima de ingresso no mercado de trabalho. Entre os programas sociais vale destacar o bolsa-escola, o programa de erradicação do trabalho infantil (Peti), os programas de combate à repetência e evasão (classe aceleração e programas de progressão continuada), a abertura de escolas rurais e, mais recentemente, a implementação do Fundef, que aumenta os recursos para o ensino fundamental em municípios mais pobres.

Por meio de um simples método de decomposição que divide as diferenças observadas no período entre mudanças devidas à alteração de composição de grupos econômico-demográficos (efeito intergrupos), e às mudanças de incidência dentro dos grupos (efeito intra-grupos), podemos responder as seguintes perguntas: (i) Quanto da redução da incidência do trabalho infantil e do aumento da freqüência escolar se deve às mudanças das características econômico-demográficas das crianças e suas famílias?; (ii) Que variáveis econômico-demográficas estão mais fortemente associadas à redução do trabalho infantil e/ou ao aumento da freqüência escolar?3. Sendo um grupo demográfico composto pelos grupos de escolaridade do chefe de família, grupos de idade das crianças, de região de moradia, de gênero do chefe de família e de tamanho da família, a Tabela 4 abaixo mostra que tanto o declínio do trabalho infantil quanto o aumento da freqüência escolar entre meninos e meninas se devem mais às mudanças das probabilidades dentro dos grupos econômicos demográficos que entre os grupos. Por exemplo, do total de 0.061 pontos percentuais de declínio do trabalho infantil feminino, 0.052 se deveu a mudanças das probabilidades dentro dos grupos, e 0.009 se deveu à mudança relativa do tamanho dos grupos.

Tabela 4: Decomposição da incidência do trabalho infantil e da freqüência escolar

Meninas de 10 a 17 Anos
Trabalho infantil
Freqüência escolar
Mudança das probabilidades dentro dos grupos
-0.052
85.56%
0.108
103.82%
Mudança no tamanho relativo dos grupos
-0.009
14.44%
-0.004
-3.82%
Variação total
-0.061
100%
0.104
100%
Meninos de 10 a 17 Anos
Trabalho infantil
Freqüência escolar
Mudança das probabilidades dentro dos grupos
-0.104
81.29%
0.140
96.71%
Mudança no tamanho relativo dos grupos
-0.024
18.71%
0.005
3.29%
Variação total
-0.128
100%
0.144
100%

Nota: valores em pontos percentuais

A Tabela 5 mostra que os grupos mais fortemente associados às variações nas probabilidades dentro dos grupos são as crianças e adolescentes que vivem em famílias cujos chefes são menos educados. Ademais, as variações mais acentuadas ocorrem na área rural. Contudo, como a maior parcela das crianças e jovens vive na área urbana, o efeito total, entre urbano e rural, é similar.

Tabela 5: Decomposição das mudanças nas probabilidades por grupos de características

Meninas
Meninos
Prob.
Peso
Total
Prob.
Peso
Total
Trabalho infantil
Escolaridade dos chefes de família
0 a 3 anos

-0.084
0.471
-0.039
-0.138
0.494
-0.068
4 a 7
-0.040
0.304
-0.012
-0.093
0.294
-0.027
8 a 10
0.004
0.089
0.000
-0.059
0.085
-0.005
11 ou mais
-0.006
0.136
-0.001
-0.052
-0.030
0.127
-0.004
-0.104
Região
Rural
-0.098
0.206
-0.020
-0.131
0.219
-0.029
Urbana
-0.040
0.794
-0.032
-0.052
-0.096
0.781
-0.075
-0.104
Freqüência escolar
Escolaridade dos chefes de família
0 a 3 anos
0.163
0.471
0.077
0.217
0.494
0.107
4 a 7

0.079
0.304
0.024
0.088
0.294

0.026

8 a 10
0.043
0.089
0.004
0.040
0.085
0.003
11 ou mais
0.024
0.136
0.003
0.108
0.023
0.127
0.003
0.140
Região
Rural
0.216
0.206
0.044
0.275
0.219
0.060
Urbana
0.080
0.794
0.063
0.108
0.102
0.781
0.079
0.140

Nota: valores em pontos percentuais

Assim, os resultados demonstram que tanto a redução da incidência do trabalho infantil quanto o aumento da freqüência à escola se devem quase que inteiramente às mudanças das probabilidades de participação (incidência do trabalho infantil ou freqüência escolar) dentro dos grupos. Ou seja, o efeito intra-grupo predomina. Além disso, dentro dos grupos, as mudanças nas duas probabilidades (trabalho e escola) são mais acentuadas entre as crianças de famílias cujos chefes têm menor escolaridade. Em outras palavras: a redução do trabalho infantil se deve ao declínio da probabilidade da criança ou adolescente trabalhar no mercado de trabalho em cada grupo econômico-demográfico, e este declínio é mais marcante entre aqueles que vivem em famílias com chefes menos educados. Estes resultados sugerem que as mudanças observadas ocorrem entre as crianças e adolescentes que vivem em famílias mais pobres, e que a redução do trabalho infantil e a expansão da freqüência escolar podem estar intimamente associadas. Crianças e adolescentes que em 2001 estão fora do mercado de trabalho, mas que estariam trabalhando sob as condições vigentes de 1992, são provavelmente as mesmas que, embora freqüentem a escola em 2001, estariam fora dela sob as condições de 1992.

5. Considerações finais
O presente artigo tratou de apresentar alguns resultados recentes de nossas pesquisas sobre o trabalho infantil no Brasil. Primeiramente, sabe-se que o trabalho infantil está associado à pobreza e que isto em parte implica numa armadilha do trabalho infantil. Também argüimos que o trabalho infantil pode estar associado a normas e convenções sociais em que algumas famílias ou regiões valoram a natureza em si do trabalho infantil. Ademais, apresentamos os efeitos do trabalho infantil nos rendimentos dos indivíduos quando adultos. Parece que o trabalho infantil reduz o salário esperado do trabalhador adulto, principalmente para aqueles que começam a trabalhar muito cedo na vida. Por fim, demonstramos que a redução do trabalho infantil nos anos 90 está associada à expansão escolar no período. Pode ser que o conjunto de medidas de políticas públicas da última década tenha tido algum efeito sobre as atividades das crianças e adolescentes, principalmente aqueles que vivem em famílias mais pobres.

Assim, o quadro que surge destes resultados é este: o trabalho infantil é um fenômeno complexo em que estão associados pobreza e normas sociais. Além disso, o trabalho infantil tem, em geral, conseqüências perversas sobre o indivíduo. Em parte isto pode ser mitigado por políticas públicas que permitam às crianças de famílias pobres acumular capital humano que, de outra maneira, seria perdido para sempre. A busca dessas políticas continua sendo um grande desafio para o Brasil do século XXI.

Referências Bibliográficas
BALAND, J.M.; ROBINSON, J. Is Child Labor Inefficient? Journal of Political Economy, vol. 108, n.º 4, 2000.
BASU, K.; TZANNATOS, Z. The Global Child Labor Problem: What Do We Know and What Can We Do? Mimeo, 2002.
BASU, K. Child Labor: Cause, Consequence, and Cure, with Remarks on International Labor Standards. Journal of Economic Literature, vol. XXXVII, p. 1.083-1.119, set.1999.
EMERSON, P.; PORTELA SOUZA, A. Is There a Child Labor Trap? Intergenerational Persistence of Child Labor in Brazil. Economic Development and Cultural Change, vol. 51, n.º 2, jan. 2003.
_________________. From Childhood to Adulthood: The Effects of Child Labor Activities on Adult Earnings in Brazil. Mimeo, 2002.
FERNANDES, R.; PORTELA SOUZA, A. A Redução do Trabalho Infantil e o Aumento da Freqüência a Escola: Uma Análise de Decomposição para o Brasil dos Anos 90. Mimeo, 2003.
KASSOUF, A.L. Trabalho Infantil. In: LISBOA, M.; MENEZES-FILHO, N.A. (eds.) Microeconomia e Sociedade no Brasil. FGV, 2001.

_______________
*André Portela Souza é professor da FEA-USP..

1 Ver Basu e Tzanatos (2002) e Basu (1999) para uma revisão da literatura sobre causas e conseqüências do trabalho infantil.
2 Ver Kassouf (2001).
3
Para o estudo mais detalhado, ver Fernandes e Portela Souza (2003).

 

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