quinta-feira, março 22, 2012

Mortes por horas-extras questionam cultura do trabalho em Taiwan

Trabalhar duro é algo impregnado na sociedade de Taiwan. Mas casos recentes de mortes atribuídas ao excesso de trabalho estão levando cidadãos do país a questionar essa cultura pela primeira vez.

Segundo dados divulgados pelo governo, quase 50 trabalhadores morreram no ano passado supostamente por trabalhar mais do que o permitido por lei - quase quatro vezes mais que no ano anterior.

Entre os casos divulgados pela mídia local nos últimos dois anos, estão o do engenheiro Hsu Shao-pin, de 29 anos, encontrado morto em casa em 2010 após um ataque cardíaco. Ele teria trabalhado uma média de 99 horas-extras por mês nos seis meses antes de sua morte.

O segurança Chiang Ding-kuo, 29 anos, morreu após sofrer um derrame no trabalho em 2010. Nos nove anos até sua morte, ele vinha trabalhando até 75 horas semanais.

Hsieh Ming-hung, 30 anos, um engenheiro da fabricante de eletrônicos HTC, morreu em fevereiro no dormitório que ocupava na fábrica. Ele vinha fazendo 68 horas-extras por mês.
Investigadores encarregados pelo governo de analisar as causas das mortes supostamente relacionadas ao excesso de trabalho verificaram que as vítimas geralmente tinham problemas congênitos, principalmente cardíacos.

Eles também tinham outros fatores de risco, como obesidade ou fumo. Mas o excesso de trabalho contribuiu como agravante. A maioria tinha entre 20 e 40 anos.

Multas brandas
As empresas geralmente não contestam as conclusões das investigações pedidas pelo governo. Elas são obrigadas apenas a pagar uma pequena multa por violar as leis de horas-extras.
O departamento de seguro do trabalho dá às famílias de vítimas até 3,75 vezes o salário anual. "Tivemos todos esses casos, incluindo trabalhadores migrantes que morreram por excesso de trabalho. Mas no passado, algumas pessoas pensaram que era apenas um ataque do coração normal", afirmou Sun Yu-lian, secretário-geral da Frente Trabalhista de Taiwan, a principal central sindical do país.

"O que é diferente sobre os casos recentes é que as famílias começaram a reclamar", disse. Apesar de as leis de Taiwan exigirem que os trabalhadores não façam mais de 46 horas-extras por mês, elas abrem também a possibilidade de alguns empregados trabalharem mais se concordarem.

"Há leis, mas há problemas com o cumprimento das leis. Isso tem a ver com a cultura local", diz Peng Feng-me, especialista em segurança e saúde do departamento de trabalho do governo. "Os empregadores de Taiwan não seguem as leis. Eles encontram alternativas porque acham que ninguém vai fiscalizar", afirma.

Os números do governo indicam que o número de casos de excesso de trabalho são desproporcionalmente baixos em comparação com a força de trabalho do país e com economias semelhantes, como as do Japão ou da Coreia do Sul, levando muitos a acreditar que o problema não tem sido registrado como deveria.

Mais recreação
As estatísticas mostram que Taiwan está entre os países com o mais longo dia de trabalho. Na média, os taiwaneses trabalham 2.200 horas anuais - 20% mais que japoneses e americanos, 30% mais que os britânicos e 50% mais que os alemães.

Um estudo do governo em 2010 verificou que 80% das grande empresas de Taiwan estão sendo investigadas por violar as leis de horas-extras. Apesar disso, as autoridades dizem que as condições vêm melhorando. "Nos últimos anos, fizemos mudanças na lei para permitir que os trabalhadores tenham mais tempo para recreação", afirma Lo Chih-chiang, que até recentemente era porta-voz presidencial.

A maioria dos empregados tem agora dois dias de folga por semana. O governo também já ameaçou elevar as multas e até mesmo prender empregados. As autoridades criaram ainda uma linha de telefone para receber denúncias e até mesmo reduziram o máximo de horas de trabalho para certas profissões.

Mas muitos ainda veem dias de trabalho de 12 horas como a norma, com alguns gerentes até mesmo abdicando de suas férias anuais. Susan Tai, que combina cargas horárias diárias de dez horas com o cuidado de um bebê pequeno, afirma que sair cedo do trabalho não é uma opção. "Meus colegas ficariam bravos comigo, e meu chefe pensaria que eu não tenho trabalho suficiente para fazer", diz.

Competitividade
Outros também argumentam que a força de trabalho de Taiwan precisa trabalhar muito para se manter competitiva. Lin Bing-bin,que chefia uma associação patronal, diz que trabalhar duro em Taiwan é importante para o desenvolvimento econômico do país.
"Nós, empregadores, concordamos que deveríamos elevar os benefícios aos trabalhadores, mas não podemos esquecer que a atitude de trabalhar duro é muito importante, um fator básico para o desenvolvimento econômico do país", diz.

"As leis podem ser revisadas para serem mais duras e completas, mas elas não deveriam ser muito inflexíveis. Se elas forem muito duras, poderiam prejudicar o desenvolvimento econômico de Taiwan", afirma. Os sindicatos são quase inexistentes ou muito fracos para ajudar os afetados a pedir compensação. Muitos também têm dúvidas se o governo vai realmente punir as empresas que não respeitam a lei.


Segundo analistas, um dos problemas com as leis atuais é que as punições são muito leves. "É tarde demais elevar as multas ou penas de prisão. O trabalhador já morreu", diz Sun, da Frente Trabalhista de Taiwan.

Meia-noite é o limite
Mas algumas companhias, especialmente aquelas com registros de mortes relacionadas ao excesso de trabalho, estão começando a admitir o problema. A HTC proibiu que seus empregados trabalhem depois da meia-noite após a morte do engenheiro Hsieh, segundo a mídia local.

A Nanya Technology agora exige que os empregados peçam autorização para fazer hora-extra, segundo o vice-presidente da companhia, Pei Lin-pai. O governo do país diz que Taiwan quer "criar uma economia baseada em conhecimento e inovação" e que com isso "trabalhar duro vai ter um novo sentido".

Isso significa que trabalhar muitas horas poderá não ser mais a norma, mas ter tempo para recarregar as energias e ser mais criativo deverá ser levado em conta.

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